20130316

«days went by when you and I bathed in eternal summers glow»



nunca tinha entendido a Ilíada para lá do seu estoicismo e assim os personagens sempre me haviam parecido unidimensionais – mas agora percebo como a minha dor é a daqueles que lutam em Tróia, dominados pelas forças trágicas do destino e a impulsividade de amar.

mesmo com o poder de Aquiles, o humano sucumbe diante da descoberta de um olhar que o desarma e, refém da irascibilidade, piora o que pretende corrigir afinal o seu amor é grande, mesmo por alguém que no início via como subserviente ou que se lhe entregava despojada «São os Atreus, entre os mortais, os únicos que amam suas mulheres? Acho que não. Qualquer sujeito sadio e decente ama a sua e cuida dela, como em meu coração amei Briseis, embora a tenha conquistado pela lança».

o nobre Heitor é o retrato da vitimizada bondade, não é o eros que o prejudica sendo ele fiel e honrado com a sua esposa, mas é tragicamente absorvido pela fúria de Aquiles, também movida pela perda de Patróclo, quem tanto amava.

a quantas insuficiências nos expõe Homero diante dos pilares das forças em colisão, temos a fúria sem poder de Aquiles que acaba por derrubar os princípios virtuosos e o desejo de bem de Heitor, quão pequenos somos diante de ambos e quão maior tornam a nossa humilhação.

essa é a contingência que torna o humano reflexo da causa central da obra. a fraqueza de Páris, uma sombra do irmão, que desperdiça o tempo e a juventude atrás da ilusão da beleza física apenas para diante do amor de Helena descobrir-se incapaz de proceder correctamente, sem conseguir olhar à ruína e ao mundo que arde em seu redor – quantos sofrerão e morrerão, quanto mal surgirá – tal é o amor que destrói a racionalidade e torna dele escrava a consciência e chama a si a desonra e o despojo da coragem.

a maldição e a dor de Tróia é, ainda assim, a beleza avassaladora da própria vida, de que a imortalidade não reside nos feitos e virtudes do indivíduo, mas na força com que ama.



 

20130303

dig up the bones but leave the soul alone