20051107

Marcos 1, 21-28

21 Entraram em Cafarnaum e, logo no sábado, foram à sinagoga. E ali ele ensinava. 22 Estavam espantados com o seu ensinamento, pois ele os ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas. 23 Na ocasião, estava na sinagoga deles um homem possuído de um espírito impuro, e que gritava, 24 dizendo: "Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para arruinar-nos? Sei quem tu és: o Santo de Deus". 25 Jesus, porém, o conjurou severamente: "Cala-te e sai dele". 26 Então o espírito impuro, sacudindo-o violentamente e soltando grande grito, deixou-o. 27 Todos então se admiraram, perguntando uns aos outros: "Que é isto? Um novo ensinamento com autoridade! Até mesmo aos espíritos impuros dá ordens, e eles lhe obedecem!" 28 Imediatamente a sua fama se espalhou por todo o lugar, em toda a redondeza da Galileia.

no inicío no versículo vinte e um é-nos dito que Jesus e os discípulos que nesta altura o acompanham entram em Cafarnaum (podemos daqui constactar que Jesus iniciou a sua pregação na Galileia, pois em Marcos é na Galileia que é baptizado, que começa a curar e a ensinar) e que se dirigem para a sinagoga. Este detalhe espaço-temporal, que o autor nos mostra, a contar-nos que Jesus se dirige à sinagoga no dia do Senhor na tradição hebraica, mostra um Jesus cumpridor da tradição judaica à qual naturalmente pertencia e prezava, mas ao mesmo tempo que nos mostra um Jesus em linha de continuidade com essa tradição, Marcos logo a seguir destaca o papel de Jesus, a renovação que ele traz e o seu carácter messiânico no versículo vinte e dois: ”Estavam espantados com o seu ensinamento, pois ele ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas”. Também se poderia interpretar o facto de em plena sinagoga estar um homem possuído por um espírito impuro, como uma alusão simbólica à impotência da fé judaíca, sendo então o ansiado Messias a expulsar o espírito e a conseguir curar o homem, pois para a fé cristã, a fé do autor, Jesus é quem cura, quem dá conforto, quem traz redenção. Jesus é maior que Moisés e interpretando esta simbologia desta forma a Nova Lei parece suplantar a Antiga, Marcos parece mostrar essa perspectiva quando no versículo vinte e sete mostra o espanto de todos os que assistiram ao sucedido dizendo: ”Um novo ensinamento com autoridade! Até aos espíritos impuros dá ordens, e eles lhe obedecem!”
Essas pistas interpretativas parecem estar implicítas no texto, como se fosse o narrador a dar voz à sua visão sobre os acontecimentos, como se fosse a voz de Marcos a dizer-nos, a minha fé é em Jesus Cristo. O autor como foi dito, não dá ao protagonista nem à sua acção uma perspectiva de ruptura com o judaísmo, mas de renovação (até porque o autor do evangelho seria, muito provavelmente, como muitos dos novos cristãos ele próprio também um herdeiro da fé judaíca); assim parece haver uma tentativa de conciliação entre judaísmo e cristianismo, não pretendendo chocar ou afastar os crentes que vinham da tradição judaíca, a partir daqui poder-se-ia especular sobre o contexto em que foi escrito o texto e também das características da comunidade a que pertencia o autor ou as necessidades a que pretendia acudir. Marcos insiste, neste excerto, no carácter divino de Jesus, pois ao relatar a acção, conta-nos que até o espírito impuro se dirige a Jesus com o título, Santo de Deus. O momento do confronto entre Jesus e o espírito é o momento de maior intensidade narrativa, neste excerto. Até esse momento, é referenciado em sumário, o que Jesus e os seus estavam a fazer na sinagoga, dizendo-se que Jesus estava a ensinar e que quem o ouvia ficava admirado, toda essa parte é feita num discurso indirecto, até que o espírito impuro impele o homem possuído na direcção de Jesus e a acção passa a desenrolar-se com maior intensidade e o narrador coloca o leitor a assistir ao que se está a passar em tempo real, como se o leitor estivesse no local e tivesse testemunhado o que estava a suceder. Os personagens dialogam entre si e então perante a autoridade de Jesus podemos perceber a ira do espírito e a violência quando este abandona o corpo do homem, no versículo vinte e seis: ”Então o espírito impuro, sacudindo-o violentamente e soltando grande grito, deixou-o”. Então, depois da agitação que o narrador provoca, torna a uma temporalidade vaga, dizendo que a partir daquele momento se espalhou a fama de Jesus, mas sem especificar bem como isso acontece, apenas referindo que aconteceu imediatamente.
Neste trecho de texto podemos reparar num pormenor, o relato é repetitivo. O autor vai repetindo a ideia de que Jesus ensina com autoridade e ensina um novo ensinamento, toda a estrutura quinária repete essa ideia. Logo no inicío isso é dito, a acção transformadora e o desenlace são uma simbologia disso mesmo e depois já na situação final, a afirmação que vemos no inicío torna a ser repetida. Essa dinâmica repetitiva serve, como já foi dito, a intenção de Marcos em afirmar o carácter messiânico de Jesus e a sua primazia sobre a Antiga Lei.