20081110

[dig]

qualquer um necessita ser salvo. a ilustração do termo inglês é arrebatadora [escavar torna-se compreender]. dig it!

20081104

o protótipo do Magnificat

שְׁמוּאֵל

"o meu coração exulta em YHWH, o meu chifre eleva-se a YHWH, a minha boca escancara-se contra os meus inimigos, porque me alegro em tua salvação." [1 Sam, 2, 1]

20081101

da literatura XI / XII [parte primeira]

devido ao seu contexto histórico, nos séculos XI e XII, a formação cultural ou o acesso a esta era praticamente exclusivo a uma elite eclesiástica, o que, naturalmente, criou uma predominância da temática religiosa na literatura da época. a agudização desse elitismo foi atingida pelos Latinitas [nome assumido por orgulho da sua tradição, a qual caracterizava os próprios textos escritos numa aproximação ao latim agostiniano e mesmo a autores clássicos como Suetónio]. isto permitiu um ressurgimento e posterior amadurecimento dos estilos literários clássicos, como a poesia, história ou biografia e a correspondência por epístolas.

a sobrevivência cultural duma Europa ancestral e mitológica foi constituída por algumas excepções, tais como o inglês arcaico Beowulf; o alemão Nibelungenlied, o francês arcaico Chanson de Roland, e mesmo a tradição celta que sobreviveu pelo Mabinogion ou as lendas Arturianas. estes épicos apesar de serem apresentados como trabalho individual, ainda que anónimo, resultaram duma recolha feita na tradição oral junto das comunidades que a partilhavam, porque não tinham formação académica não tinham um acesso fácil à literatura clerical. assim os resíduos da velha Europa resistiram, paradoxalmente, fruto do analfabetismo popular, da mesma forma que após o colapso do império romano, a educação e identidade daquela havia sido protegida pelos monges, principalmente irlandeses.

no início do século XI esse ressurgimento, acima mencionado, assentou essencialmente no renascimento germânico, no qual se destacaram autores como Otlo de Santo Emerano, cujos textos, influenciados pelas Confissões de Santo Agostinho, patenteavam uma enorme sensibilidade e um delineado humanismo embora fossem claramente contestatários à tradição pagã europeia.

na abadia de Reichenau, emergiu o trabalho de Hermannus Contractus [também chamado Hermannus Augiensis ou Hermann de Reichenau], um monge cujas deficiências físicas, que o paralisavam quase totalmente desde a sua infância, não o impediram de tornar-se um dos mais importantes eruditos do seu século, tendo contribuído para as quatro artes do quadrivium (1). se ficou famoso pelos seus tratados de matemática e astronomia, por exemplo, sobre o astrolábio e como construir esse instrumento, que era uma novidade na Europa, tendo sido referência durante séculos, chegando mesmo a focar a admiração do Papa leão IX, foi ao mesmo tempo um músico imensamente reconhecido, tendo-nos chegado algumas das suas composições, uma das quais a officia ao mártir São Afra. ainda como escritor, foi um grande poeta e também historiador, tendo escrito uma aclamada crónica da sua era, desde o nascimento de Cristo ao seu tempo de vida [faleceu em 1054], tendo sido a primeira compilação histórica do completo primeiro milénio.

a fúria criativa destes dois monges alemães fez com que na primeira metade do século XI nenhuma outra região rivalizasse com o sul germânico, ainda para mais quando a alguns dos outros autores faltava precisão crítica e histórica nos seus trabalhos como acontece, por exemplo, nos casos de Adão de Bremen [Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum é a obra mais conhecida de Adão de Bremen e é composta por quatro volumes; três deles principalmente de história do arcebispado de Hamburgo-Bremen, e ainda as ilhas do norte alemão, e o quarto essencialmente geográfico] ou Raul Glaber cuja credulidade lhe retira precisão científica; ainda assim o seu trabalho é um precioso instrumento de fontes na busca dum perfil de muitos dos clérigos medievais, cuja fé era povoada por criaturas demoníacas e a crença em actos milagrosos, uma forte superstição que, mesmo nos que tinham acesso a uma forte formação teológica não se diluía, talvez como reflexo dessas subsistentes tradições orais presentes entre o povo [afinal os próprios historiadores vitorianos no seu tempo dividiram as idades por cores, atribuindo a cor verde à época medieval, dos duendes, dragões e florestas mágicas] e que Otlo de Santo Emerano, como foi dito, contestava.

há, no entanto, um nome contemporâneo com grande importância no desenvolvimento da literatura desta época, principalmente da literatura histórica e também na censura às persistentes tradições pagãs europeias. Pedro Damião foi a figura máxima da importância histórica, o seu carácter disciplinador e defensor da exigência monástica [uma disciplina que pretendia estendida a todos os clérigos] torna-se, inclusivé, incompatível com a expressão artística.

o seu fervor religioso e grande eloquência retórica levaram-no a ser considerado um dos Doutores da Igreja, mas ao mesmo tempo em vida conduziram-no a um fanatismo presente nas sua propostas de reforma da vida monástica que incluíam a flagelação. a disciplina ganhou adeptos e foi adoptada por várias abadias embora fora do seu círculo de admiradores houvesse uma grande oposição a estas formas extremas de penitência que o próprio sempre defendeu com grande persistência.

além de muitas epístolas e sermões escreveu também a obra Officium Beatae Virginis, um trabalho que ilustrava a sua enorme devoção à Virgem Maria. se no início os seus trabalhos foram imensamente apreciados, até pelo Papa Leão IX, no final da primeira metade do século XI, a sua obra Liber Gomorrhianus, tornou-se polémica pelo extremismo cru da escrita de Pedro Damião aí exposto. o Livro de Gomorra, dedicado ao papa, expunha os vícios do clero de forma violenta, atacando a homossexualidade e a práctica da masturbação que eram subversivas à ordem moral, fruto de excesso de luxúria.

a violência dos seus escritos pode ser compreendida se contextualizados numa época de graves enfermidades espirituais, num clero muitas vezes pervertido e pouco resistente à tentação sob várias formas, não só a incontinência luxuriosa, mas também a simonia. assim, Pedro Damião, pela severidade monástica que defendia, pensava poder combater tal tendência.

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(1) do Latim, significa “as quatro vias”. Consistia nas quatro matérias (aritmética, geometria, música e astronomia) ensinadas nas universidades medievais após a conclusão do trivium (gramática, lógica ou dialéctica e retórica). O quadrivium era a fase preparatória para o aprofundamento do estudo filosófico e teológico. Era considerado como o estudo do número: a aritmética era o número puro, a geometria o número no espaço, a música o número no tempo e a astronomia, o número no espaço e tempo.