20061230
20061228
[advento] natividade
tenho a certeza que existe quando algo me faz sorrir e aí ocasionalmente surge um viajante que me fala das suas jornadas e aventuras, da fé e perseverança necessárias para descobrir como escapar às adversidades de tal caminho e de como é preciso sonhar sempre através de um coração generoso que recrie, que fortaleça a grande tarefa humana - o sentido último: o aprofundamento interior para descobrir esta criança que nasce no nosso íntimo; momento de redenção e luz: um Deus que se faz homem para que o homem encontre Deus.
20061124
20061122
dasein
a mónada da criação substancia-se na vontade do ser; metamorfose de luz. a grande palavra do espírito é o sim - afirmação interior. movimento ascendente. resposta. encontro.
um coração com fé é o sacrário onde repousa o Logos eterno. e estando iluminado, ilumina tudo o que o rodeia.
"vos estis lux mundi" [Mt5, 14]
20061014
pretender
é que todos tentamos agradar a alguém. passamos a vida a tentar e a pretender, e esquecemo-nos de ser.
20060612
20060606
imperfeição
horrificado o profeta descobre a raíz do mal, o culto do homem a si próprio: a divinização da besta é a simples permanência num estado de arrogância do consciente centrado sobre si mesmo. a elevação da imperfeição e contingência da mortalidade sobre a essência suprema vivente: o homem pretendendo-se ponto ómega elimina em si o alfa reiniciante e reconstrutivo, e permanecerá num perpétuo estado de imperfeição - o homem como imagem da matéria e não como caminho de transcendência.
20060521
the wretch
The wretch, concentred all in self,
Living, shall forfeit fair renown,
And, doubly dying, shall go down
To the vile dust, from whence he sprung,
Unwept, unhonour'd, and unsung."
Sir Walter Scott, from The Lay of the Last Minstrel, Canto VI, Stanza I
20060508
the good-morrow
"I wonder by my troth, what thou and I
Did, till we loved ? were we not wean'd till then ?
But suck'd on country pleasures, childishly ?
Or snorted we in the Seven Sleepers' den ?
'Twas so ; but this, all pleasures fancies be ;
If ever any beauty I did see,
Which I desired, and got, 'twas but a dream of thee.
And now good-morrow to our waking souls,
Which watch not one another out of fear ;
For love all love of other sights controls,
And makes one little room an everywhere.
Let sea-discoverers to new worlds have gone ;
Let maps to other, worlds on worlds have shown ;
Let us possess one world ; each hath one, and is one.
My face in thine eye, thine in mine appears,
And true plain hearts do in the faces rest ;
Where can we find two better hemispheres
Without sharp north, without declining west ?
Whatever dies, was not mix'd equally ;
If our two loves be one, or thou and I
Love so alike that none can slacken, none can die."
20060316
tentações
Mara e Buda
[...] Utilizando belos estratagemas fizeram aparecer por entre as folhagens belas feiticeiras entoando cânticos maravilhosos e envolventes. Algumas vezes tentavam-no oferecendo-lhe poder, outras apresentavam-lhe dúvidas sobre a Verdade como se ela fosse ilusão.
Buda disse-lhe: a justiça em ti é menosprezável e a injustiça uma maldição. Vai enganar aqueles que se amam a si mesmo. Os egoístas.
Buda respondeu: nada tens a ver comigo, insidiosa dúvida, mesmo sendo o mais astuto inimigo dos homens.
Disse-lhe a superstição: Trancafias os nossos livros sagrados, destróis os nossos deuses, despovoas os templos e revogas a lei sustenta os reis e que os sacerdotes guardam.
Buda respondeu-lhe: pede que eu destrua a forma transitória, porém, a Verdade permanece livre e é eterna. Volta às tuas trevas.”
Lc 4, 1-13
paralelismos
na busca de semelhanças entre Siddartha Gautama e Jesus, surge logo a semelhança do inicío das suas pregações, ou melhor, do que antecede a pregação de ambos e que está directamente ligado à experiência de revelação de cada um dos mestres, e mesmo aos ensinamentos que praticariam – essa semelhança são as tentações que cada um sofreu.
no cristianismo um desapego mundano é desejado apenas para servir com total disponibilidade Deus, Lucas ilustra-nos isso: “Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque ou odiará um, e amará o outro, ou se afeiçoará a um e desprezará o outro (Lc16,13)”.
aqui é exposta uma das diferenças entre ambas as expressões religiosas, pois no cristianismo é ao encontro de Deus que se caminha; o sofrimento não é causado por Deus, mas por uma sequência comportamental humana que usufrui de livre arbitrío, que conduz aos desiquílibrios sociais provocadores de injustiça. se um Deus Criador impedisse, como Gautama eventualmente desejaria, qualquer modo de ser, restringiria a transcendência humana na sua liberdade e alteridade. ao homem cabe descobrir que é total possibilidade de bem absoluto ou de ausência desse bem, e descobrindo-o agir livremente em função desse bem absoluto, é assim que se atinge o Paraíso (num sentido estritamente espiritual do termo), que se chega a Deus.
ora para o budismo, não há encontro com Deus, apenas (por derivar da tradição hinduísta) da realização ou concretização do atman com a sua essência brahman, do encontro da verdadeira essência do eu consigo mesmo, com o absoluto.
mas haverá de facto alguma diferença com a transcendência cristã em direcção a Deus?
na sua Iluminação, a percepção de transcendência que isso representou, Buda descobriu uma experiência que não morre, uma alegria sublime em contraste com a contingência, a tristeza e a insatisfação da existência meramente empírica, limitativa do ser. ao libertar-se da avídia concretiza-se como ser, iniciando uma forma de estar no mundo nobremente, relacionando-se com o que o rodeia de uma forma desinteressada, sem procurar satisfazer qualquer necessidade egocêntrica, a não ser fazer o bem porque é simplesmente isso que cabe a um ser iluminado fazer; tal conceito é similar com o amor incondicional fraterno que Jesus pede como caminho de santidade.
após resistirem e vencerem as suas provações, Gautama e Jesus merecem os títulos que lhes são atribuídos, o Buda (verdadeiramente Iluminado) ou Cristo. pela sua descoberta fundaram novos paradigmas de humanidade, um apelo à transcendência intíma do homem de modo a conseguir verdadeira felicidade.
a grande novidade trazida por Buda, tal como Cristo, na sua época e contexto social, foi a ideia de que a vida espiritual, como capacidade de conhecimento de si mesmo, não tem nada a ver com as restrições de casta impostas pelos brâmanes (no caso de Jesus, com a estratificação social que excluía classes inferiores duma escatologia messiânica). nenhum homem é menos homem que outro, cabe a cada um concretizar-se plenamente.
20060305
esboço apreciativo sobre Gigolo Joe [personagem do filme A.I.]
vemos na construção desta categoria de Meca a indignante descartibilidade das relações humanas, indivíduos que descartam quem os rodeia quando estes já não lhes servem ou exigem retribuição. vemos representada todo uma cultura de minimalização do amor, da sexualidade como exaltação individual em vez de ser uma forma de encontro ou união, de assumir a intimidade própria e do outro. anulando esse encontro, a sexualidade entre dois indivíduos torna-se na mera masturbação interactiva na qual o personagem é exímio, o sedutor qual Circe homérica canta um feitiço de atracção ao cliente hesitante “you deserve much, much better in your life; you deserve me!” e acaba por transformar os que lhe sucumbem em bestas movidas apenas por desejo.
mas a interpretação do seu papel na história não pode ser reduzida à representação dum perfeito objecto sexual, ilustrador duma sociedade decadente, mas antes ter em atenção que representa uma baixa classe social vítima de abuso por parte das classes superiores e com menos condições para uma emancipação a um nível ético, aliás, devido à sua “programação” esse crescimento não é sequer esperado.
é precisamente neste aspecto que está a verdadeira importância de tal personagem, pois ele consegue ultrapassar todas as restrinções e transcender-se pela capacidade de decisão. ao afirmar a alteridade do próximo, decidindo-se a ajudar o pequeno David, Gigolo Joe torna-se a caridade autêntica, ele é o único amigo de David em todo o filme – é o único que age desinteressadamente com este.
apesar de característicamente possuir mais condicionamentos que David, que é duma classe superior ou mais evoluída, Joe é a imagem de que nenhum homem é menos homem, que cada um pode a qualquer momento fazer um movimento de introspecção que lhe permita descobrir a sua consciência e a sua capacidade de, perante a possibilidade de não fazer bem ou a de fazer bem, escolher a última por descobrir que é isso que importa – ainda que envolvido num problema grave, procurado por um crime que não cometeu, Joe não hesita em ajudar a criança e esquecer-se de si mesmo.
tais paralelismos parecem conduzir a uma dedução próxima dos ensinamentos do cristianismo; por não pensar em si e em salvar a sua vida, ele não se preocupa em arriscar-se para ajudar David, assim consegue transcender-se usando como amplificador David; não há egoísmo nas suas acções, num mundo em que toda a gente tentou extrair qualquer coisa do pequeno Meca (até o programa informativo, ilustrado por um cartoon de Einstein exige dinheiro em troca de conhecimento) ele apenas procura ajudá-lo; a sua exposição ao programa mais evoluído afecta-o positivamente, transforma-o sem que se aperceba.
por exemplo, o humanismo de amor e aceitação do outro ensinado por Jesus Cristo, se aproveitado como modelo comportamental impulsionaria o homem para um patamar superior de felicidade e sentido de vida. se a partir daí criasse o homem a sua máxima universal, como pedia Kant, em qualquer situação, em cada escolha que se lhe deparasse conseguiria agir eticamente, o impacto que a polis sofreria aproximá-la-ia da cidade de Deus agostiniana.