20081212

axioma

tenho muitas almas. numas amo-te, noutras desejo-te. há também aquelas onde te odeio [numas fere-me e noutras não]. em muitas ainda não te conheci, mas anseio por ti como na saudade em que noutras tenho por estar longe do momento em que nesta alma te vi.

o movimento comum é sentir-te em todas e assim saber-me um.

20081211

da literatura XI / XII [parte segunda]

a riqueza fervilhante da actividade literária nesta época contrariam o preconceito que inúmeras vezes surge em relação ao pouco desenvolvimento intelectual na Idade Média. a própria diversidade na postura editorial revela-nos a riqueza do pensamento, mesmo dentro da Igreja [muitas vezes acusada de obscurantismo nesta época ou de uma intransigência ao desenvolvimento intelectual].
o fundo social teve uma profunda influência no pensamento contemporâneo aos autores tratados, pois não se pode deixar de notar que uma forma de escapar às agruras do dia-a-dia era através do seguimento da vida eclesiástica, tal situação tornava-se um filtro pouco eficaz de vocações que por sua vez conduziam a determinadas crises dentro da própria Igreja. ao mesmo tempo a ansiedade de atingir uma nova era, deixando para trás a conturbação política europeia impelia outros autores [por exemplo, os grandes comentadores das Escrituras, Bruno de Asti e Ruperto de Deutz ou o aclamado poeta Baudry, abade de São Pedro de Bourgueil] na procura de um conhecimento que libertasse a sociedade ou mostrasse novas soluções.

todo este cenário permitiu evidentemente um maior escoamento dos recursos literários da Igreja, que por sua vez desencadeavam mais discussões [fossem por questões espirituais, como o debate sobre a Eucaristia, ou políticas como sucedeu com a extensa escrita sobre a luta pelas investiduras], ou seja, foi o próprio debate, que se instalou definitivamente na segunda metade do século XI, que permitiu um maior desenvolvimento literário. autores como Umberto Eco, ilustram, nos seus romances, exemplarmente o confronto intelectual e espiritual que duas posturas distintas provocavam, mas afinal foi sempre assim que se procedeu o desenvolvimento em todas as áreas das ciências humanas.

é já na transição entre ambos os séculos que surge o ilustre nome de Hildeberto de Lavardin, cujo trabalho é ilustrador do apogeu literário da literatura eclesiástica medieval vivido na primeira metade do século XII. Não só pela poesia bíblica, mas também nas peças de teatro que escreveu, as quais ainda que tematizadas pelo martírio dos cristãos em Roma, não deixavam de impressionar pela força da ilustração da cidade eterna.
aliás, é natural a capacidade descritiva pormenorizada numa altura em que a narração histórica se encontra cada vez mais desenvolvida. são imensos os autores que escrevem crónicas e mesmo biografias, quiçá numa procura de no passado encontrar valores e virtudes que servissem de modelo numa época, como já foi referido, politicamente conturbada.

fonte: Nova História da Igreja. Vol. 2, AUBERT, R. KNOWLES, M. D. ROGIER, L.-J.

20081110

[dig]

qualquer um necessita ser salvo. a ilustração do termo inglês é arrebatadora [escavar torna-se compreender]. dig it!

20081104

o protótipo do Magnificat

שְׁמוּאֵל

"o meu coração exulta em YHWH, o meu chifre eleva-se a YHWH, a minha boca escancara-se contra os meus inimigos, porque me alegro em tua salvação." [1 Sam, 2, 1]

20081101

da literatura XI / XII [parte primeira]

devido ao seu contexto histórico, nos séculos XI e XII, a formação cultural ou o acesso a esta era praticamente exclusivo a uma elite eclesiástica, o que, naturalmente, criou uma predominância da temática religiosa na literatura da época. a agudização desse elitismo foi atingida pelos Latinitas [nome assumido por orgulho da sua tradição, a qual caracterizava os próprios textos escritos numa aproximação ao latim agostiniano e mesmo a autores clássicos como Suetónio]. isto permitiu um ressurgimento e posterior amadurecimento dos estilos literários clássicos, como a poesia, história ou biografia e a correspondência por epístolas.

a sobrevivência cultural duma Europa ancestral e mitológica foi constituída por algumas excepções, tais como o inglês arcaico Beowulf; o alemão Nibelungenlied, o francês arcaico Chanson de Roland, e mesmo a tradição celta que sobreviveu pelo Mabinogion ou as lendas Arturianas. estes épicos apesar de serem apresentados como trabalho individual, ainda que anónimo, resultaram duma recolha feita na tradição oral junto das comunidades que a partilhavam, porque não tinham formação académica não tinham um acesso fácil à literatura clerical. assim os resíduos da velha Europa resistiram, paradoxalmente, fruto do analfabetismo popular, da mesma forma que após o colapso do império romano, a educação e identidade daquela havia sido protegida pelos monges, principalmente irlandeses.

no início do século XI esse ressurgimento, acima mencionado, assentou essencialmente no renascimento germânico, no qual se destacaram autores como Otlo de Santo Emerano, cujos textos, influenciados pelas Confissões de Santo Agostinho, patenteavam uma enorme sensibilidade e um delineado humanismo embora fossem claramente contestatários à tradição pagã europeia.

na abadia de Reichenau, emergiu o trabalho de Hermannus Contractus [também chamado Hermannus Augiensis ou Hermann de Reichenau], um monge cujas deficiências físicas, que o paralisavam quase totalmente desde a sua infância, não o impediram de tornar-se um dos mais importantes eruditos do seu século, tendo contribuído para as quatro artes do quadrivium (1). se ficou famoso pelos seus tratados de matemática e astronomia, por exemplo, sobre o astrolábio e como construir esse instrumento, que era uma novidade na Europa, tendo sido referência durante séculos, chegando mesmo a focar a admiração do Papa leão IX, foi ao mesmo tempo um músico imensamente reconhecido, tendo-nos chegado algumas das suas composições, uma das quais a officia ao mártir São Afra. ainda como escritor, foi um grande poeta e também historiador, tendo escrito uma aclamada crónica da sua era, desde o nascimento de Cristo ao seu tempo de vida [faleceu em 1054], tendo sido a primeira compilação histórica do completo primeiro milénio.

a fúria criativa destes dois monges alemães fez com que na primeira metade do século XI nenhuma outra região rivalizasse com o sul germânico, ainda para mais quando a alguns dos outros autores faltava precisão crítica e histórica nos seus trabalhos como acontece, por exemplo, nos casos de Adão de Bremen [Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum é a obra mais conhecida de Adão de Bremen e é composta por quatro volumes; três deles principalmente de história do arcebispado de Hamburgo-Bremen, e ainda as ilhas do norte alemão, e o quarto essencialmente geográfico] ou Raul Glaber cuja credulidade lhe retira precisão científica; ainda assim o seu trabalho é um precioso instrumento de fontes na busca dum perfil de muitos dos clérigos medievais, cuja fé era povoada por criaturas demoníacas e a crença em actos milagrosos, uma forte superstição que, mesmo nos que tinham acesso a uma forte formação teológica não se diluía, talvez como reflexo dessas subsistentes tradições orais presentes entre o povo [afinal os próprios historiadores vitorianos no seu tempo dividiram as idades por cores, atribuindo a cor verde à época medieval, dos duendes, dragões e florestas mágicas] e que Otlo de Santo Emerano, como foi dito, contestava.

há, no entanto, um nome contemporâneo com grande importância no desenvolvimento da literatura desta época, principalmente da literatura histórica e também na censura às persistentes tradições pagãs europeias. Pedro Damião foi a figura máxima da importância histórica, o seu carácter disciplinador e defensor da exigência monástica [uma disciplina que pretendia estendida a todos os clérigos] torna-se, inclusivé, incompatível com a expressão artística.

o seu fervor religioso e grande eloquência retórica levaram-no a ser considerado um dos Doutores da Igreja, mas ao mesmo tempo em vida conduziram-no a um fanatismo presente nas sua propostas de reforma da vida monástica que incluíam a flagelação. a disciplina ganhou adeptos e foi adoptada por várias abadias embora fora do seu círculo de admiradores houvesse uma grande oposição a estas formas extremas de penitência que o próprio sempre defendeu com grande persistência.

além de muitas epístolas e sermões escreveu também a obra Officium Beatae Virginis, um trabalho que ilustrava a sua enorme devoção à Virgem Maria. se no início os seus trabalhos foram imensamente apreciados, até pelo Papa Leão IX, no final da primeira metade do século XI, a sua obra Liber Gomorrhianus, tornou-se polémica pelo extremismo cru da escrita de Pedro Damião aí exposto. o Livro de Gomorra, dedicado ao papa, expunha os vícios do clero de forma violenta, atacando a homossexualidade e a práctica da masturbação que eram subversivas à ordem moral, fruto de excesso de luxúria.

a violência dos seus escritos pode ser compreendida se contextualizados numa época de graves enfermidades espirituais, num clero muitas vezes pervertido e pouco resistente à tentação sob várias formas, não só a incontinência luxuriosa, mas também a simonia. assim, Pedro Damião, pela severidade monástica que defendia, pensava poder combater tal tendência.

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(1) do Latim, significa “as quatro vias”. Consistia nas quatro matérias (aritmética, geometria, música e astronomia) ensinadas nas universidades medievais após a conclusão do trivium (gramática, lógica ou dialéctica e retórica). O quadrivium era a fase preparatória para o aprofundamento do estudo filosófico e teológico. Era considerado como o estudo do número: a aritmética era o número puro, a geometria o número no espaço, a música o número no tempo e a astronomia, o número no espaço e tempo.

20081012

the Nemedian chronicles



"Know, oh prince, that between the years when the oceans drank Atlantis and the gleaming cities, and the years of the rise of the Sons of Aryas, there was an Age undreamed of, when shining kingdoms lay spread across the world like blue mantles beneath the stars - Nemedia, Ophir, Brythunia, Hyberborea, Zamora with its dark-haired women and towers of spider-haunted mystery, Zingara with its chivalry, Koth that bordered on the pastoral lands of Shem, Stygia with its shadow-guarded tombs, Hyrkania whose riders wore steel and silk and gold. But the proudest kingdom of the world was Aquilonia, reigning supreme in the dreaming west.
Hither came Conan the Cimmerian, black-haired, sullen-eyed, sword in hand, a thief, a reaver, a slayer, with gigantic melancholies and gigantic mirth, to tread the jeweled thrones of the Earth under his sandalled feet."

20080913

os milagres de Jesus [seguindo Juan José Bartolomé]

quando lemos os evangelhos não vemos nos acontecimentos descritos qualquer forma de cepticismo perante os milagres realizados por Jesus, como refere o autor “não se suspeitava sequer da existência de uma lei natural que governasse a realidade”, apenas dúvidas sobre a sua natureza, se é divina ou maligna, e indignação por violarem determinados padrões sociais e culturais da sociedade em que se deram esses milagres, por exemplo, quando Jesus cura ao sábado ou quando perdoa pessoas que, segundo a tradição hebraica, estariam excluídas duma escatologia messiânica. à distância de dois mil anos existem hoje paradigmas que não existiam no tempo de Jesus, com a emancipação científica mudou a perspectiva sobre os evangelhos, claro que nada mudou numa perspectiva teológica, os evangelhos são testemunhos de fé, mas o racionalismo que surge numa era moderna coloca novas questões na leitura dos escritos evangélicos.

por um lado esse desenvolvimento científico até tornou mais fácil encontrar vestígios do Jesus histórico, mas paradoxalmente torna-se mais difícil aceitá-lo como um taumaturgo, mágico ou manipulador das leis naturais. assim surgiram consequentemente apreciações críticas que começaram a pôr em causa os milagres ou pelo menos a sugerir novas formas de interpretação na sua leitura.

o autor divide essas novas indagações em quatro momentos ao longo do desenvolvimento da investigação sobre Jesus:

1778-1906 – é já nos primeiros momentos que anteciparam a grande Revolução Industrial, com o rápido desenvolvimento do racionalismo, que surge a teoria de Reimarus, questionando a figura de Jesus, para este autor, Jesus teria sido um messias político, cujas intenções fracassaram, sendo o Jesus que está descrito nos evangelhos uma criação dos seus discípulos após a sua morte. a ressurreição era uma fraude que não podia ser provada historicamente, explicada por um suposto roubo do corpo de Jesus do seu túmulo de forma a projectar todo o anúncio apostólico. consequentemente também os milagres seriam meramente ilustrativos e em nada ajudavam a descobrir quais as intenções de Jesus ou a reconstruir a sua pessoa. autores como Lessing defendiam que não havia como provar o milagre, porque milagres ou profecias não seriam admissíveis historicamente, assim o facto de estar narrado não era sinónimo de ter acontecido realmente. seriam somente didácticos à luz da fé, leitura feita por uma vertente mais romancista que pretendia apelar a uma preservação das experiências humanas contidas nos símbolos ou na metáfora literária, defendendo que o objectivo dos evangelistas não era distorcer a verdade ou enganar alguém, apenas ilustrar a realidade transcendente de Jesus Cristo. neste longo período de furiosa investigação histórica, todo o tipo de teorias surgiam, para tentar compreender os milagres, a sua veracidade. vários teólogos racionalistas fizeram tentativas de explicar ou desmontar os milagres de um modo lógico sem negar o testemunho evangélico, tentando criar explicações construídas racionalmente, defendendo, como diz Juan José Bartolomé, que nada poderia dar-se na realidade que não pudesse ser explicado pela razão. o autor mostra-nos teorias, que foram defendidas, verdadeiramente extravagantes, por exemplo, Bahrdt (1741-1792) dizia que a multiplicação dos pães havia sido fruto de previsão calculada, que Jesus, antes de falar à multidão, teria escondido quantidades suficientes de pão para a alimentar. Holtzmann por seu lado defendia um Jesus liberal, apenas com uma dimensão moral e social que desenvolvendo a sua consciência e o seu espírito nobre interpretou o Reino de Deus como um sucesso interior, uma busca de desenvolvimento pessoal, não tendo conseguido nesse processo evitar o choque com as autoridades judaicas, o que o conduziu à crucificação. o anúncio da ressurreição e a construção da igreja em torno disso, seria algo que Jesus não planeara; os milagres seriam somente composição literária com base em modelos do Antigo Testamento, para ilustrar o carácter libertador de Jesus Cristo.

1906-1953 – Bartolomé designa este período por cepticismo histórico, no qual não se aceita que possa haver milagres, a não ser que possam ser explicados naturalmente. se para autores como Schweitzer, Jesus havia falhado redondamente nos seus intentos, aproveitando todo o cenário político e religioso, centrou a sua actividade no anúncio do Reino de Deus, que acabou por não ver concretizado; para Bultmann Jesus é um mestre de sabedoria, um verdadeiro rabi que jamais se imiscuíra em actos políticos e a sua morte teria sido um mero acaso, teoria que reforçava através da aparente perplexidade e desespero de Jesus na cruz quando clamava por Deus, ainda assim Bultmann vislumbrava nesse acto um enorme sentido de fé, pois confrontado com essa noite de sentido reconhecia nela a confiança na vontade de Deus. Bultmann não atribuía importância à tradição evangélica, nem qualquer mérito histórico, apenas importava que através de Jesus, Deus se havia manifestado a favor do Homem. Não é pelos milagres que se chega a Jesus, Jesus é o verdadeiro milagre, o grande exemplo de relação com Deus. este período atribui, assim, pouca importância aos milagres, que serviam apenas para demonstrar literariamente o carácter messiânico de Jesus, no qual a comunidade cristã acreditava e representava assim num plano mitológico passado, presente e futuro, o Jesus que curava os doentes e afastava os demónios interiores, o salvador cuja segunda vinda era esperada ansiosamente. a relativização da tradição evangélica aumentou quando surgiu a teoria da “história das formas” que afirmava que o evangelho de Marcos, o mais antigo, era um produto de fé comunitária, um esforço de construção dum texto de estrutura biográfica com base em variadas fontes, duvidando dessa forma da veracidade histórica do texto de Marcos que mostrava já um Jesus cristão, algo que não fora intenção de Jesus.

1953-1985 – o radicalismo anti-histórico de Bultmann para com os textos evangélicos incomodou de alguma forma os seus discípulos, que entendiam a historicidade como cultura e tradição também; a interpretação como agente constructor da história. o Jesus taumaturgo e exorcista não pode ser simplesmente encarado como objecto de investigação sobre a sua factualidade ou não-factualidade, senão estaria a reduzir-se a dimensão do texto e a importância, esse Jesus coloca-se ao serviço dos seus autores e da teologia de cada um deles (há diferenças no modo como são contados os milagres por cada um dos autores; Mateus insiste nas palavras de Jesus, nos grandes discursos e reduz a importância dos milagres, remetendo-os para dois capítulos essencialmente; Marcos mostra um Jesus primitivo e de certo modo rude, um curandeiro que usa lama e cuspo, um Jesus mais activo que discursivo; Lucas conjuga estas duas realidades, tornando-se assim histórico editorialmente, como diz a teoria “da história da redacção”, tornando-se verdade, porque foi através duma visão de fé verdadeira que foi contado.

curioso é o desenvolvimento da investigação judaica sobre Jesus, cujo intento é devolvê-lo à sua realidade cultural e educacional, e como parece ainda hoje, tal como no tempo neo-testamentário, continuar a aceitar mais pacificamente a questão dos milagres. a investigação judaica encara Jesus como um profeta escatológico, que tal como os outros profetas hebraicos teve um final trágico, e também um taumaturgo com uma invulgar capacidade de discurso popular. G. Vermes considera Jesus um homem santo e de grande intimidade com Deus, o que lhe daria uma capacidade perfeitamente natural para curar. Jesus como um benfeitor divino cujos milagres não provocam quaisquer problemas na comunidade hebraica, aliás, como já foi acima referido, mesmo os contemporâneos de Jesus não viam nos milagres qualquer estranheza nem foi essa a causa dos conflitos de Jesus com as autoridades, mas a revolução que Jesus trouxe à lei hebraica.

1985- (...) – a partir desta data dá-se, segundo o autor, uma supremacia da investigação norte-americana, fundamentada em estudos arqueológicos, sociais e históricos, de modo a tentar iluminar Jesus a partir dum conhecimento profundo do seu mundo e do seu meio-ambiente. até através duma revitalização da literatura apócrifa do Mar Morto. esbate-se o critério de investigação no qual se procurava o que Jesus tinha de diferente e busca-se antes aquilo que Jesus tinha de plausível, o que tem plausibilidade histórica. se lermos os relatos dos milagres, apesar de todas as dúvidas que levantam, repara-se que são das partes mais detalhadas no Novo Testamento, indicam-nos o nome dos intervenientes por vezes, como se passou, onde se passou, quem assistiu, etc. dum ponto de vista de exegese histórica, são dos relatos mais completos, paradoxalmente criam tantos problemas na sua interpretação. não era algo extraordinário que Jesus curasse, outros também o faziam, Jesus usa os milagres como sinais para reforçar o anúncio do Reino de Deus e inúmeras vezes nem é Jesus que cura, mas como ele mesmo refere nos relatos, é a força da fé de quem está doente e confia nele. os milagres operados sobre os mortos e sobre a natureza dificilmente provém do Jesus histórico, aconteciam numa esfera privada entre Jesus e os seus discípulos.

Jesus não é essencialmente historicidade, é nos evangelhos que temos a mais conseguida visão de Jesus Cristo, a interpretação cristológica de Jesus é fidelidade, não é invenção. é um acto de fé e não conhecimento.

20080904

alter ego


[sic ego defero]

20080814

do desejo

primeiro é subtil: o momento da linguagem - comunica-se em crescendo de cumplicidade sem perceber o movimento que revolve o íntimo [criam-se imagens recusadas e esboços oníricos silenciados].

então sucede o impacto violento da nefesh: o desejo torna-nos expressivos e sentimos a ânsia de convergência - assim surge a sede de ti [o impulso físico]. a marca do teu corpo subsiste imaterial em mim;


a rapidez efémera torna-se paradoxal. e tatua uma vontade em espiral e assim ressurge a sede de ti..

20080724

minima de malis

ao menos a cocaína está mais barata que o combustível.

20080712

music tv?

liga-se o canal mais mediático do mundo e ouve-se lixo mediático, entulho gangsta [como é chique dizer] e softcore visual. um rocker australiano, com toda a legitimidade da soberba actuação que suportou as suas palavras, anuncia o pensamento de muitos: não há música na music tv.

dj's & rappers aren't rockstars

20080624

primo principio

em João Duns Escoto começa uma mudança gnoseológica, há um abandono da tese agostiniana da iluminação divino-natural [que daria origem aos conceitos universais independentemente da experiência] estabelecendo a origem do pensamento universal na experiência, através dum processo de abstração, admitindo portanto o racionalismo mais moderado de Aristóteles. mas, ao mesmo tempo, contra Aristóteles [e, porque não, também contra o tomismo], estabeleceu Escoto a compreensibilidade directa da singularidade - a ciência não opera apenas com os universais, mas com o aqui e agora.

consequentemente, em razão da inteligibilidade do real singular, o ser pode também ser concebido como noção unívoca. para Aristóteles e Tomás de Aquino o ser é uma essência universal, que se realiza nas unidades por predicação analógica, e por isso acontece a seu modo em cada indivíduo. ao contrário, no escotismo, cada indivíduo é pleno ser - é unívoco em cada indivíduo [este ser unívoco é possuidor de distinções formais, entre as quais a estaidade (haecceitas), que lhe permitem estabelecer-se como indivíduo], e equívoco em relação aos demais seres individuais; o ser individual é o último patamar do ente, última actualidade a que pode chegar a substância que contém em si parte da substância metafísica.

sendo pela realidade sensível que se apreende algo da substância metafísica inteligível [ela mesma unidade – a unidade primeira como medida das coisas existentes], não se consegue mostrar imediatamente e de modo evidente a existência de Deus, pois o conhecimento racional ou demonstrativo sobre Deus é impossível, pois não pode ser conhecido em Si mesmo nem em concreto. não há conceitos de Deus, quando muito há perspectivas. como diz Manuel Barbosa da Costa Freitas «por um lado, Deus diverge totalmente das criaturas; por outro, só O podemos conhecer a partir das perfeições das criaturas. Para O distinguirmos das criaturas teremos que adicionar às perfeições com que estas se apresentam revestidas uma ou mais notas pelas quais as possamos referir adequada e exclusivamente a Deus. O próprio conceito de ser, porque inicialmente sinónimo de “fora do nada”, e, por isso, comum a todos os seres, não O caracteriza suficientemente. É necessário acrescentar-lhe as notas, por exemplo, Infinito, Imenso, Omnisciente, Eterno, Absoluto e outras semelhantes, para O distinguirmos das criaturas. No plano do ser, Deus é dado na sua máxima transcendência na medida em que, abandonando a univocação inerente ao ens metaphysicum, O situamos entre os seres actualmente existentes – ens praedicamentale – como Infinito.» (1)

é pelo conhecimento intuitivo [como um acto de fé] ou abstractivo que se consegue um vislumbre de Deus, embora seja também um conhecimento complexo. através desse conhecimento do imaterial na criação material chega-se à analogia da existência de um Ser Infinito, aqui há uma proximidade a vários conceitos e autores; as cinco vias do pensamento de S. Tomás de Aquino, o motor imóvel aristotélico ou até mesmo Sto. Anselmo e o argumento endonoético ou ontológico. «O Universo formado pelo conjunto dos seres infinitos, contingentes na sua existência e predeterminados nas suas operações, e pelos homens, contingentes na sua existência, mas livres no seu agir, é um Universo contingente, mutável, temporal. Tudo indica que foi produzido, não pelo nada absoluto nem por si mesmo, mas por um Ser absolutamente Primeiro, incausável por natureza e causa incondicional de tudo. Assim constituído, o Universo dos seres finitos induz ao reconhecimento da existência de Deus, entendido não como um ser impessoal, mas como o Ser Infinito, Inteligente e Livre, que encerra em Si mesmo a plenitude das perfeições com que generosamente dotou todas as criaturas.» (2)

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(1) Freitas, Manuel Barbosa da Costa, “O conhecimento filosófico de Deus segundo J. Duns Escoto”, in Didaskalia XII (1982) pp. 246

(2) idem, pp.296-297

20080614

the epitome of gods and men alike

you shall be cast down. before even dreams were dreamt of there existed misery. epitome of gods and men alike. tormented as they struggled amidst chaos, twisted beings did mesh as one not yet beyond the veil to be as waxen idols...
crafted with the blackest hand of matter birthed was the unseeing eye divinity renamed...

silence the unhearer. burden thy path not more. shade the beacon light. keep hidden from ones whom seek not paths of worth. drink the soma. vision the white lotus seated upon the thousandth petal crucified to the days of three. emerge, open thy eye. view the innate and dream the dream. behold the nirvanic temple...

20080608

o sibilar da serpente de fogo

menosprezo a política fora do contexto nobre do significado original do termo, pois é destituída de sentido antropológico. qualquer questão ou conflito político desde a aurora da civilização foi sempre motivado por factores económicos, mas actualmente essas questões violam o ethos humano a um nível execrável. creio que cito Rahner "o que há de mais fundamental na existência humana tem que ser um acto de liberdade".

e depois do mundo grego a polaridade conceptual foi sempre invertida, em vez de partir-se da oikos para a polis, submete-se a oikos à polis - o homem é cativo dos pares, de tirania disfarçada de interesse global.

20080603

haunted by Titania


my faerie tales remain unburied where you murdered them

the glimpse of the faerie radiance, seducing me to follow her
into the dreamland,
it’s a bliss from the great king oberon
who laughs from the chimeras
of my reality

i gladly follow the jolly faerie
to the absinthic green fields of dreams where, marvelled,
i see her dancing
in a ring of magic

her smiling shrug is breathtaking
divine invitation
to luxurious voyages
through her mesmerizing body

titania has left
her laughter echoes in my dreams

…as the enchantment breaks
i sadly, like orpheus,
see her fading away…
remains the eternal memory of her first kiss

…of her last kiss

20080414

shir hashirim


"place me like a seal on your heart, liked a seal on your arm, for love is as strong as death, zeal is as strong as the grave; its coals are coals of fire of a great flame! many waters cannot quench the love, nor can rivers flood it; should a man give all the property of his house for love, they would despise him." [8, 6 - 7]

ante a impossibilidade de redenção, wotan invoca um casulo de fogo mágico para manter intocável a mortalidade de brunhild. a tragédia do eros, quando dele não solidifica a agape, é condenar aqueles que foram outrora destinados a uma eternidade incompleta - um ontos saudoso.

20080316

neo.genesis

a melodia cadenciada do Logos é Graça.
movimento catabático,
gerador de ânsia de ascensão.

a semente torna-se voz interior,
a resposta momento de encontro.

o Logos é o amor expressado que dá forma ao ser, a Palavra é eterna, é desde sempre e o ser é iluminado pela Palavra - o que não é verbalizado não é. YHWH EU SOU - [o Verbo é desde o princípio] - o ser é o verbo primordial da criação; a partir daí tudo é por meio dele; é verdade máxima pois o que não é não pode ser, não pode subsistir, nunca se torna.
o Logos Incarnado toca o coração do homem; coloca o homem em comunhão com Deus [o divino faz-se humano, para o humano se poder divino] - renasce o homem. neo genesis, nova criatura, nova sensibilidade, novo espírito.
(a beleza não é exclusiva da arte - é também da inspiração. não está somente na capacidade de reconhecê-la, mas no que suscita, em como emociona. o reconhecimento da beleza é dependente da "transformação embelezante" do sujeito contemplativo)

em Cristo termina a busca ansiada de Deus. permanece mistério ao homem, mas estreitado, encontrado.

tudo é na Cruz.. .

20080311

cinzento

o peso da dúvida é esmagador - as encruzilhadas paralisam o ser.
a revolta brada descontrolada à proximidade.

o peso continua a transportar-se, mas apenas em movimento auxiliar.

o cinzento clareia com a dissipação da dúvida. com o acolhimento da inocência.
o cinzento escurece com o lamento e a dor vizinha.